quarta-feira, 3 de outubro de 2012


FEIRA DE GERAÇÃO DE RENDAS DO 

BAIRRO MAJOR PRATES


A Feira como uma expressão cultural

Ao pensarmos a feira do Major Prates como uma expressão cultural, devemos buscar o conceito de cultura. Ginzburg define a cultura como: "o conjunto de atividades, crenças, códigos de comportamento próprio das classes." (GINZBURG, 1939, p.12). Desta maneira a cultura e relacionada com a totalidade que caracteriza uma determinada realidade social, expressa nos hábito de um povo em determinada região. 
Assim o próprio desenvolvimento é marcado por contatos, conflitos e diferentes modos de conceber e expressar a realidade esta chamada de cultura, definida por Burke:
Cultura é um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são expressos ou encarnados. A cultura nesta acepção faz parte de todo um modo de vida (BURKE, 2005, p.25).
A feira torna-se parte da cultura, pois mantém o comércio informal ativo e preservado, conservando as práticas populares e a identidade norte mineira com seus costumes e hábitos. Alem de contribuir com a economia do bairro, ela preserva a memória social através das suas trocas comerciais. Relatado pelo Sr. Mario:
Trabalho na feira com ervas medicinais, tenho bons clientes que me procura para tratar de dores como exemplo: no estomago, cabeças, nas pernas e etc. Utilizo as plantas da região, hábitos que aprendi com minha família indígena da tribo Xavante. Aqui na feira ajudo as pessoas a se cura comercializando as plantas e repassando os meus conhecimentos (entrevistado Sr. Mario).
Os hábitos culturais são repassados na feira através dos produtos comercializados e também pela oralidade, permitindo a troca de conhecimentos. Segundo Ginzurges: "portanto, temos a circularidade, influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica" (GINZURGES, 1939, p.15). Pois através da troca de saberes, a cultura e compartilhada em todo o conjunto social formando uma identificação cultural. 
Ribeiro revela que: 
A feira não abastece a população urbana apenas de alimentos, mas também dessa parte essencial da nutrição que é a soberania alimentar, a alimentação associada á cultura. Ela alimenta essa cultura territorializada e se transformam no espaço por excelência de manifestação de identidade local (RIBEIRO, 2006, p.100).
Dentro desta visão de cultura, podemos dizer que a feira e o local onde as práticas, costumes e hábitos de um grupo são transmitidos, tornando presente na vida das pessoas que a frequentam, vendo nela uma parte de sua identidade, traduzido em permanência da sua história. Esta manifestação perpetua os valores que aprendemos em contato com a sociedade na qual vivemos. Burke diz: "hoje, contudo, seguindo o exemplo dos antropólogos, os historiadores e outros usam o termo muito mais amplamente para referi-se a quase tudo que pode ser apreendido em dada sociedade, como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante" (BURKE, 1800, p.57).
As práticas estudadas pela história cultural estão representadas na feira através dos hábitos alimentares e no artesanato na qual revela a sociedade regional. É importante entender de que maneira a sociedade se organiza no seu mundo cotidiano, analisando no universo da feira a aplicabilidade do conceito de cultura popular, Conforme Certeau:
A cultura a título das semelhanças entre os procedimentos que articulam intervenções seja no campo da língua seja na rede das práticas sociais. Ela se distingue dos estudos, de corte mais tradicional de modo mais amplo e objetiva visando, construir a história cultural (Certeau, 1980, p. 80). 
A cultura popular, vista como uma produção desindividualizada e natural torna-se o meio expresso de anseios e desejos de uma coletividade para que haja uma identificação popular entre diferentes classes sociais. A feira existe dentro de uma organização social que interage e contribui para a manutenção de traços característicos que favorecem a identificação desta organização com a sociedade. Ribeiro fala:
As feiras são mais que pontos de comercialização da agricultura familiar. Nelas circulam bens, culturas e pessoas; além de pontos de vendas, são retratos totalidades da sociedade rural, lugar de encontro e articulação política, são espaços vitais para a interação de diferentes mundos (RIBEIRO, 2006, p.101)
A feira proporciona uma troca de conhecimento em pequenos estantes sobre, valores sociais, políticos e gastronômicos entre feirantes e frequentadores. Vejamos o relato de Jorge, frequentador da feira:
Frequento feira á cinco anos desde quando mudei para o bairro. Gosto de participar da feira por que os produtos não contem agrotóxicos, são produtos fresquinhos e o preço e muito bom. As pessoas aqui são simples e amigas. As conversas são produtivas, pois possibilitam a troca de experiências, falamos dos políticos, da família, contamos piadas, recebo dicas de remédio caseiro para acabar com a minha gastrite (entrevistado Jorge). 
A Feira do Major Prates é resultante do hábito e da necessidade do homem de interagir e de manter relações sociais e econômicas. A feira vive a constante ebulição das sociedades globalizada e dinâmica vive e convive com tradições e inovações, pois ela e um importante meio cultural, eclético, sem restrições e preconceitos, é aberto a todos, mesmo que, indiretamente, apreciam e convivem com este emaranhado de transformações e funções.

Agricultura Familiar

Sobre a agricultura familiar sabemos que ela dá todo o sentido a manifestação econômica e cultural que enfeita a avenida aos domingos pela amanhã colorindo-a com verduras e frutos fresquinhos da região colhidos pelas mãos dos agricultores que sobrevivem deste comércio. Ribeiro diz: "A feira livre é uma das instituições mais sólidas de Minas Gerais; principalmente do Norte, Nordeste e Noroeste do Estado. Ela faz parte da economia e da cultura" (RIBEIRO, 2006, p.97). Por ser uma pratica cultural regional, a feira do Major Prates mantém a sua permanência a vinte e cinco anos, sem ajuda governamental, ela e coordenada pela associação de feirantes que cuida de toda estrutura organizacional. Um membro da associação diz:
Em 1985 surge a feira do Major Prates obtendo um numero considerável de feirante, havendo a necessidade de expandir a feira. Em 2005 cria-se associação de feirantes que busca por melhorias na mesma e cuida de toda organização abrindo oportunidades a todos que desejam comercializar. A Associação tem consciência da importância comercial, pois a feira contribui com a economia da agricultura familiar e também com á pratica cultural regional.
Mas esta comercialização é uma realidade e uma necessidade para as famílias rurais, pois os que eles obtêm como lucro ajuda na despesa familiar, complementando a renda junto com o benefício governamental (bolsa família). Relato de Maria feirante: 
Moro em Santa Barbara zona rural próximo a Montes Claros. Eu e minha família vivemos da agricultura manual e temos uma pequena criação de animais (galinhas e porcos). Fazemos parte da agricultura familiar as únicas rendas que temos e o auxílio da bolsa família e das vendas que obtemos aos domingos na feira (entrevistada Sr. Maria).
As famílias rurais dispõem de pouca terra, a maioria delas pratica uma agricultura manual tendo como ferramentas enxadas e facões para o manuseio agrícola. Por causa da simplicidade de cultivo, muitos produtos perdem no plantio, por não terem acesso a recursos técnicos e financeiros os agricultores encontram dificuldades para produzir e organizar a comercialização. Vejamos o relato do feirante João:

Passei por dificuldades na metade do mês de junho pois resolvi fazer o plantio da batata e acabou não dando certo, este cultivo requer muita água e o rio que abastece a fazenda estava com pouca água não dava para irriga muitas vez ao dia, veio as pragas para piora e não conseguimos vender nada e só tivemos prejuízo (entrevistado Sr. João).

Grande parte do ano o norte de Minas Gerais, passa sem as chuvas que e de importância para abastecer os poços e nascentes. A escassez de água só atrapalha na produção agrícola, pois não dispõem das tecnologias modernas para melhorarem o cultivo. Sabemos que até nos dias atuais uma grande parte das zonas rurais não possui estações hidráulicas. Segundo Ribeiro,
A maioria das famílias de agricultores não dispõe de energia elétrica e nem de água tratada na sua unidade de produção. Isto é critico, principalmente considerando que a produção dessas famílias tende a ser muito dependente desse insumo: na irrigação das hortas e frutas, na força motriz dos engenhos e moendas, no trabalho de moagem nas madrugadas, na torra da farinha que entra pelas noites, na embalagem dos produtos (RIBEIRO, 2006, p.116).
Em uma situação que não e diferente de muitas famílias rurais da nossa região acontece como a família do senhor João, que renuncia ao consumo regular de água para trato de animais e lavagem de roupa. A ausência da chuva diminui o fluxo do rio que abastece o sítio, desta forma ele precisa economizar para utilizar na irrigação. A prática da irrigação é ministrada à noite para diminuir a evaporação, mas, estas dificuldades não o impedem de expor a sua produção nas feiras aos domingos. 
Os problemas enfrentados na produção afetam também o setor econômico dos agricultores, pois uma grande maioria não sabe lidar com o aumento e queda de preço Marschall diz: "Esta relação entre excesso de oferta e queda de preços na produção de alimentos impõe estreitos limites ás estratégias baseadas exclusivamente num aumento da produção" (MARSCHALL, 2008, p.11).
Os agricultores comerciantes deveriam ter procedimentos técnicos, para não levarem tantos prejuízos, ainda há uma dificuldade quanto às regras de mercado econômico. Quando ocorre de não conseguirem escoar toda mercadoria, cria-se um acúmulo de produtos, ocasionado a perda de mantimentos perecíveis e não havendo retorno financeiro. Marschall diz: "quanto mais longe do mercado, maior a dificuldade para os agricultores ficarem a par ou até de influenciarem no desenvolvimento do mercado" (MARSCHALL, 2008, p.11).
Refletindo sobre a pratica econômica, e de fundamental importância que os agricultores tenham conhecimentos sobre as estratégias de mercado, para que não ocorra a perda de produtos e nem de lucros. Esta e a única fonte econômica que a família rural encontra para sobreviver, sendo assim e preciso que o agriculto e feirante se encontra no mercado econômico para que a sua produção desenvolva no mercado consumidor. 

Considerações Finais

A feira do Major Prates, vem mostrando o valor e a criatividade do ser humano, pois sem eles esta não teria sentido.
O feirante é o agente desta história que favorece a cultura local presente na feira, onde se comercializa produtos regionais, havendo interação social e principalmente mantendo-se hábitos que compõem a cultura local.
Percebemos que há uma identificação entre os feirantes e frequentadores em meio às bancas de frutas, verduras, hortaliças, comidas típicas e artigos artesanais, que criam ao longo do tempo um sentido de identidade, levando à formação de memória relacionada ao espaço da feira.
O estudo da feira do Major Prates visa mostrar a importância do reconhecimento da mesma como pratica cultural. Ao mostrar as práticas culturais, econômicas e sociais que compõem a feira, espera-se que este trabalho tenha destacado as contribuições que a feira tem dado ao município ao longo de todos estes anos.
Acreditamos que, através deste artigo, tenhamos cumprido com as metas iniciais, de oferecer uma nova interpretação da feira do Major Prates, não apenas como uma prática cultural regional, mas também como espaço de luta para os trabalhadores rurais que ali trabalham pela sua sobrevivência. Não pretendemos com esta abordagem esgotar o tema, mas abrir a possibilidade de novas pesquisas sobre o mesmo.




Referencia Bibliográfica

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